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Relato de uma busca, de B. Kucinski


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Ainda em setembro de 2020, o nome de Ana Rosa Kucinski da Silva continua na relação de desaparecidos na ditadura militar. Segundo os registros, foi vista pela última vez em 22 de abril de 1974, quando foi presa juntamente com seu marido, Wilson Silva. Começava aí um pesadelo para a família na busca por informação sobre o paradeiro do casal. As circunstâncias da prisão nunca foram esclarecidas. Alguns fatos puderam ser costurados a partir de depoimentos de envolvidos e de intensa pesquisa documental.

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Ana Rosa Kucinski

A história de Ana, irmã do autor e personagem ausente de seu relato, é uma de centenas de vítimas que a ditadura produziu nos 21 anos (1964–1985) em que vigorou no país. Nesse período, em especial entre 1968 e 1978, mais de 100 mil pessoas foram presas, muitas torturadas, e entre 365 e 400, assassinadas. A utilização sistemática da tortura abriu uma enorme chaga na sociedade brasileira que até hoje não se curou, muito em função de não termos conseguido a construção de uma memória coletiva sobre esse tempo. Apenas em 2011, trinta anos depois do fim do último governo militar, é que a Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi instituída.

Em 2 anos e meio de funcionamento, a CNV colheu 1.121 depoimentos e investigou locais, instituições e circunstâncias relacionadas às violações de direitos humanos, como desaparecimento, prisões ilegais e assassinatos. Muitas informações não foram recuperadas, documentos importantes já haviam sido destruídos pelas Forças Armadas. Mesmo assim, produziu um relatório em três volumes e mais de três mil páginas.

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Local clandestino de tortura, conhecido como Casa da Morte

Embora pareça enredo de ficção, a Casa da Morte realmente existiu na Rua Arthur Barbosa, 668, em Petrópolis. Acredita-se que cerca de 30 pessoas foram torturadas e mortas nesse local. Apenas uma pessoa conseguiu escapar, Inês Etienne Romeu, ex-dirigente da VAR-Palmares. Ela escapou após três meses de tortura, fingindo ter concordado em se tornar informante. Em liberdade, com a ajuda do jornalista Antônio Henrique Lago, conseguiram identificar e denunciar a existência da casa.




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Inês Etienne, única sobrevivente da casa da morte

Segundo os registros, Ana Rosa Kucinski Silva e seu marido Wilson foram levados para essa casa. Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, o ex-delegado Cláudio Guerra relatou que transportou os corpos de Ana Rosa e Wilson para serem incinerados na Usina Cambahyba. “Os dois estavam completamente nus. A mulher apresentava muitas marcas de mordida no corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente. O jovem não tinha as unhas da mão direita. Tudo levava a crer que tinham sido torturados. Não havia perfuração de bala neles. Quem morre de tiro não sofre. Morte por tortura é muito mais desumano.” Os restos mortais nunca foram encontrados e foi recomendada a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso.

As Forças Armadas negam até hoje a prática de tortura nos quarteis e instalações militares. No entanto, mais de 1600 pessoas foram acusados de tortura. Na Casa da Morte, os seguintes oficiais são apontados como responsáveis pelos interrogatórios e consequentes mortes: Freddie Perdigão (“Doutor Roberto”), Paulo Malhães (“Doutor Pablo), Orlando de Souza Rangel (“Doutor Pepe”), Rubens Paim Sampaio (“Doutor Teixeira”), José Brant Teixeira (“Doutor Cesar”), Amilcar Lobo Moreira da Silva (“Doutor Carneiro”), Ubirajara Ribeiro de Souza (“Zé Gomes” ou “Zezão”) e Luis Cláudio Azeredo Viana (“Laurindo”).



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Bernardo Kucinski, assim como a sua irmã Ana Rosa, foi militante estudantil contra o regime militar. Foi preso e exilado na Inglaterra, retornando para o Brasil em 1986. K. — Relato de uma Busca foi sua estreia na literatura, inspirada no esforço de seu pai por respostas sobre o desaparecimento da filha e na dor do luto negado. Fatos reais e ficção, sem deixar evidente o que é um ou outro, se misturam nesse romance. As reações foram diversas e ele foi procurado por muitas pessoas que o confrontaram sobre situações narradas. Essas conversas foram registradas em outro livro, Os visitantes.


De B. Kucinski, a @Circulares também tem Os Visitantes

 
 
 

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